Regina Beatriz Tavares da Silva*
Em vários artigos anteriores (como aqui, aqui e aqui) já salientei a importância do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos Recursos Extraordinários em que são debatidos os direitos previdenciários para os amantes (n.º 1045273/SE e n.º 883.168/SC).
O Recurso que está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes está pautado para o próximo dia 3 de abril, lembrando que tem repercussão geral e que versa sobre o tema da possibilidade ou não de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes (adultério), com o consequente rateio de pensão por morte entre a viúva e o amante de seu falecido marido.
O outro Recurso Extraordinário, de relatoria do ministro Luiz Fux, ainda não está pautado e seu tema, que também é de repercussão geral, versa sobre a possibilidade ou não do concubinato heterossexual (adultério) de longa duração gerar efeitos previdenciários.
Já que o primeiro recurso, ao que tudo indica, será julgado antes do que o segundo, corre-se o risco de que a comoção criada pelas minorias em nosso país obnubile as mentes e gere a ideia de que por se tratar de homossexual tem de ter direitos a qualquer custo.
Então, vamos aos esclarecimentos.
No primeiro recurso, pautado para o dia 3 de abril, é debatida a atribuição de pensão por morte em relação adulterina homossexual e no segundo em relação heterossexual. No primeiro a pensão previdenciária é do regime geral do INSS e no segundo a pensão previdenciária é de ex-combatente da Marinha.
Efetivamente, em ambos os recursos o tema, no fim e ao cabo, é o mesmo. E a pergunta que se faz é a mesma: amantes têm direitos previdenciários, de modo que os benefícios da previdência social post mortem têm de ser divididos entre o consorte – cônjuge ou companheiro – com o cúmplice do adultério?
É tão óbvio que amantes não são membros da família do falecido e que são cúmplices de um ato ilícito que é a infidelidade, ferindo o senso comum imaginar que uma Corte Suprema no nosso país possa atribuir-lhes direitos previdenciários.
Direitos previdenciários, embora tenham regulamentação própria, sempre foram e serão interligados aos direitos de família. As leis previdenciárias, tanto a do regime geral (INSS) como a dos regimes especiais (por exemplo na Marinha) sempre resultam de uma relação familiar, o que seria razão mais do que suficiente para a não atribuição de direitos previdenciários às relações extraconjugais ou simultâneas, na denominação light que alguns querem usar.
Direitos previdenciários, embora tenham regulamentação própria, somente cabem na licitude, sendo absurdo pensar que quem é cúmplice de um ato ilícito possa receber benefícios do Estado.
Muito embora seja pensamento geral em nossa sociedade que amantes não fazem parte da família do amásio, é importante observar que não há como confundir a relação de adultério, independentemente do tempo de sua duração, com a união estável, mesmo diante daquela denominação light usada por quem quer obnubilar a razão. Enquanto a união estável é o relacionamento em que duas pessoas constituem uma família (CC, art. 1.723), o adultério viola o dever de lealdade ou fidelidade, sendo relação ilícita (CC, art. 1.724).
Por sinal, tanto no STF, como na instância do Superior Tribunal de Justiça STJ, onde são julgados os recursos interpostos contra acórdãos dos Tribunais Regionais Federais sobre a matéria previdenciária, a jurisprudência é uniforme, quando efetivamente é analisado o mérito (a matéria propriamente dita, com conhecimento do recurso), no sentido de que o concubinato, que é a relação adulterina, não se iguala à união estável, ou seja, à relação familiar (STF: 2.ª T., MS 33.555-DF, Rel. min. Cármen Lúcia, j. 6/10/2015; 2.ª Turma, RE 558588 AgR – RS, Rel. min. Gilmar Mendes, j. 16/11/2010; 1.ª Turma, RE 397.762/BA, Rel. min. Marco Aurélio, j. 3/6/2008; STJ: 1.ª Turma, AgRg no REsp 1.418.167-CE, Rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 24/3/2015; 2.ª Turma, AgRg no Agravo em REsp 329.879-PE, Rel. min. Humberto Martins, 15/8/2013; 5.ª Turma, AgRg no REsp 1.267.832-RS, Rel. min. Jorge Mussi, j. 13/12/2011; 5.ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.059.029-RS, Rel. min. Adilson Vieira Macabu, j. 15/2/2011; 3.ª Turma, REsp 1.157.273/RN, Rel. min. Nancy Andrighi, j. 18/5/2010; 6.ª Turma, REsp 1.142.584/SC, Rel. min. Haroldo Rodrigues, j. 1.º/12/2009; entre outros acórdãos).
Segundo a jurisprudência em teses do STJ: “15) Compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário”.
Também no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi proferido relevante acórdão em pedido de providências da ADFAS (n.º 0001459-08.2016.2.00.0000), relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, que reconheceu a inexistência de entidade familiar na relação poligâmica, enfatizando que a “sociedade brasileira tem a monogamia como elemento estrutural e os tribunais repelem relacionamentos que apresentam paralelismo afetivo”, enquanto esse órgão foi presidido pela ministra Cármen Lúcia, que compõe o STF.
Note-se, ainda, que, se for conferido direito à pensão ao amante de uma pessoa que faleceu enquanto estava casada ou vivia em união estável, primeiramente dividirá esse benefício com o viúvo ou a viúva e, caso este venha a morrer, o amante passará a receber a pensão na totalidade (Lei Geral da Previdência – Lei 8.213/91, art. 77, § 1.º).
Reitero neste artigo que essa sucessão e integração de benefícios previdenciários agravaria ainda mais a crise da Previdência Social, já que se o amante tiver menos idade que o viúvo ou a viúva, e, portanto, maior longevidade, prolongará o saque da Previdência por mais anos do que as previsões atuariais, que são feitas em todos os sistemas securitários.
Os custos da Previdência Social obviamente aumentarão porque se prolongarão no tempo.
Note-se que, se julgado o Recurso sobre relação adulterina homossexual no sentido de atribuição desses direitos aos amantes, o outro Recurso sobre relação adulterina heterossexual terá o mesmo destino, porque repito que o tema é o mesmo e a decisão valerá para todos os que vivem a ilicitude do adultério, já que têm repercussão geral.
Uma relação ilícita não pode ter a proteção jurídica. Quem se propõe a uma relação, ainda que de longa duração, com quem é casado ou vive em união estável, deve socorrer-se da ciência da psicanálise e não buscar benefícios do Estado, porque o ordenamento jurídico brasileiro, cujo sistema é estruturado no princípio da monogamia, como destaquei na obra “Família e Pessoa: uma questão de princípios”, editada pela YK, não admite a existência simultânea de mais do que uma entidade familiar (CF, art. 226, §3.º).
Em suma, a concessão de direitos previdenciários aos amantes, além de contrária ao direito, à moral e aos costumes, causará impacto prejudicial nos esforços que têm sido feitos para reduzir os custos previdenciários no Brasil.
*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (17/01/2019)
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