Por Regina Beatriz Tavares da Silva*
A concessão de direitos previdenciários aos amantes, além de contrária ao direito, à moral e aos costumes, causará impacto prejudicial nos esforços que têm sido feitos para reduzir os custos previdenciários no Brasil.
Está na pauta do STF, com julgamento previsto para 25/9/19, a previdência para amantes, com repercussão geral, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes (RE 1045273/SE).
O outro recurso extraordinário que ainda não foi pautado e versa sobre o mesmo tema, também com repercussão geral, está sob a relatoria do ministro Luiz Fux (RE 883.168/SC).
Deve-se salientar que não há a menor diferença entre o tema ou a matéria de um e do outro recurso.
No primeiro recurso, pautado para o dia 25 de setembro, é debatida a atribuição de pensão por morte em relação homossexual e no segundo em relação heterossexual. No primeiro a pensão previdenciária é do regime geral do INSS e no segundo a pensão previdenciária é de ex-combatente da Marinha. No primeiro, a relação concorria com uma união estável e no segundo com um casamento.
Podem parecer diferentes as matérias, mas, efetivamente, em ambos os recursos o tema, no fim e ao cabo, é o mesmo. Seja homossexual ou heterossexual, a relação chamada paralela é de mancebia. Seja em regime geral, seja em regime especial, a previdência está sempre interligada com as normas do direito de família. Seja essa relação concorrente com um casamento ou com uma união estável, sempre haverá a figura do adultério, no âmbito civil.
Assim a pergunta que se faz em ambos os recursos deve ser a mesma: amantes têm direitos previdenciários, de modo que os benefícios da previdência social têm de ser divididos entre o consorte – cônjuge ou companheiro sobrevivente – com o cúmplice do adultério?
É óbvio que amantes não são membros da família do falecido e que são cúmplices de um ato ilícito que é a infidelidade, ferindo o senso comum imaginar que uma Corte Suprema no nosso país possa atribuir-lhes direitos previdenciários.
Direitos previdenciários, embora tenham regulamentação própria, sempre foram e serão interligados aos direitos de família. As leis previdenciárias, tanto a do regime geral (INSS) como a dos regimes especiais (por exemplo na Marinha) sempre resultam de uma relação familiar, o que seria razão mais do que suficiente para a não atribuição de direitos previdenciários às relações paralelas ou simultâneas, na denominação light que alguns querem usar.
Direitos previdenciários, embora tenham regulamentação própria, somente cabem na licitude, sendo absurdo pensar que quem é cúmplice de um ato ilícito possa receber benefícios do Estado.
Muito embora seja pensamento geral em nossa sociedade que amantes não fazem parte da família do amásio, é importante observar que não há como confundir a relação de adultério, independentemente do tempo de sua duração, com a união estável, mesmo diante daquela denominação soft usada por quem quer obnubilar a razão. Enquanto a união estável é o relacionamento em que duas pessoas constituem uma família (CC, art. 1.723), o adultério viola o dever de lealdade ou fidelidade, sendo relação ilícita (CC, art. 1.724).
Por sinal, tanto no STF, como na instância do STJ, onde são julgados os recursos interpostos contra acórdãos dos Tribunais Regionais Federais sobre a matéria previdenciária, a jurisprudência é uniforme, quando efetivamente é analisado o mérito (a matéria propriamente dita, com conhecimento do recurso), no sentido de que o concubinato, que é a relação adulterina, não se iguala à união estável, ou seja, à relação familiar (STF: 2.ª T., MS 33.555-DF, rel. min. Cármen Lúcia, j. 6/10/15; 2.ª Turma, RE 558588 AgR – RS, rel. min. Gilmar Mendes, j. 16/11/10; 1.ª Turma, RE 397.762/BA, rel. min. Marco Aurélio, j. 3/6/08; STJ: 1.ª Turma, AgRg no REsp 1.418.167-CE, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 24/3/15; 2.ª Turma, AgRg no Agravo em REsp 329.879-PE, rel. min. Humberto Martins, 15/8/13; 5.ª Turma, AgRg no REsp 1.267.832-RS, rel. min. Jorge Mussi, j. 13/12/11; 5.ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.059.029-RS, rel. min. Adilson Vieira Macabu, j. 15/2/11; 3.ª Turma, REsp 1.157.273/RN, rel. min. Nancy Andrighi, j. 18/5/10; 6.ª Turma, REsp 1.142.584/SC, rel. min. Haroldo Rodrigues, j. 1/12/09; entre outros acórdãos).
Segundo a jurisprudência em teses do STJ: “15) Compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário”.
Também no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi proferido relevante acórdão em pedido de providências 0001459-08.2016.2.00.0000 da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, que reconheceu a inexistência de entidade familiar na relação poligâmica, enfatizando que a “sociedade brasileira tem a monogamia como elemento estrutural e os tribunais repelem relacionamentos que apresentam paralelismo afetivo”, enquanto esse órgão foi presidido pela ministra Cármen Lúcia, que compõe o STF.
Note-se, ainda, que, se for conferido direito à pensão ao amante de uma pessoa que faleceu enquanto estava casada ou vivia em união estável, primeiramente dividirá esse benefício com o viúvo ou a viúva e, caso este venha a morrer, o amante passará a receber a pensão na totalidade (Lei Geral da Previdência – lei 8.213/91, art. 77, § 1.º).
Reitero neste artigo que essa sucessão e integração de benefícios previdenciários agravaria ainda mais a crise da Previdência Social, já que se o amante tiver menos idade que o viúvo ou a viúva, e, portanto, maior longevidade, prolongará o saque da Previdência por mais anos do que as previsões atuariais, que são feitas em todos os sistemas securitários.
Os custos da Previdência Social obviamente aumentarão porque se prolongarão no tempo.
Uma relação ilícita não pode ter a proteção jurídica. Quem se propõe a uma relação, ainda que de longa duração, com quem é casado ou vive em união estável, deve socorrer-se da ciência da psicanálise e não buscar benefícios do Estado, porque o ordenamento jurídico brasileiro, cujo sistema é estruturado no princípio da monogamia, como destaquei na obra “Família e Pessoa: uma questão de princípios”, editada pela YK, não admite a existência simultânea de mais do que uma entidade familiar (CF, art. 226, §3.º).
Em suma, a concessão de direitos previdenciários aos amantes, além de contrária ao direito, à moral e aos costumes, causará impacto prejudicial nos esforços que têm sido feitos para reduzir os custos previdenciários no Brasil.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sócia fundadora e titular do escritório de advocacia Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.
Publicação original: Migalhas (24/06/2019)
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