Por Bernardo Spinelli Bessa*
Por meio da Resposta a Consulta nº 24429/2021, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (“SEFAZ/SP”) abordou dois importantes e controvertidos temas a respeito do imposto sobre transmissões causa mortis e doações (ITCMD).
O primeiro deles refere-se ao critério de avaliação de quotas/ ações de sociedades de capital fechado para fins de determinar a base de cálculo do imposto, enquanto o segundo diz respeito ao limite de isenção de 2.500 UFESPs aplicável a doações, na hipótese de doação feita por cônjuges casados sob o regime de separação total de bens ou comunhão parcial de bens.
Na situação analisada pela SEFAZ/SP, o Consulente, na condição de donatário, relatou que receberia em doação de seus pais quotas de sociedade das quais os pais (doadores) são sócios, e questionou o órgão a respeito da possibilidade de aplicação do referido limite de isenção de 2.500 UFESPs. O Consulente não informou qual o regime de bens do casamento de seus pais.
Ao analisar a consulta, a SEFAZ/SP primeiramente discorreu sobre o critério de avaliação das quotas para fins de determinar se a doação estaria de fato dentro do limite de isenção em questão.
Sobre este ponto, o artigo 14, §3º, da Lei nº 10.705/2000 (lei que disciplina a cobrança do ITCMD no Estado de São Paulo), prevê que, nos casos em que a ação/ quota não for objeto de negociação ou não tiver sido negociada nos últimos 180 dias, será admitido o respectivo valor patrimonial da ação/ quota. Tal dispositivo é reproduzido no artigo 17, §3º, do Regulamento do ITCMD do Estado de São Paulo (Decreto nº 46.655/2002).
Com base nesses dispositivos, é prática recorrente entre contribuintes paulistas, no caso de doação de quotas/ ações de sociedades de capital fechado que não tenham sido objeto de negociação nos 180 dias anteriores à doação, considerar como base de cálculo do ITCMD o valor patrimonial contábil das quotas/ ações, isto é, o valor do patrimônio líquido conforme o balanço da sociedade dividido pelo número de quotas/ ações.
No entanto, em diversos casos o fisco paulista discordou dessa posição e buscou cobrar a diferença do imposto, acrescida de multa e juros, calculada sobre o “valor patrimonial real” das ações, isto é, considerando o valor de mercado dos ativos e passivos que compõem o patrimônio da empresa.
Na Reposta a Consulta ora sob comento, o fisco paulista reiterou tal entendimento. A posição do fisco nessa resposta a consulta está escorada, em resumo, no caput do mencionado artigo 14 da Lei nº 10.705/2000 (de acordo com o qual a base de cálculo do imposto deve corresponder ao “valor corrente de mercado do bem”), bem como em doutrina jurídica que admite o conceito de “valor patrimonial real”.
No entanto, não se pode concordar com o entendimento do fisco manifestado na Resposta a Consulta nº 24429/2021.
Primeiramente, porque o conceito amplamente difundido de “valor patrimonial” corresponde sem dúvida ao valor patrimonial contábil, o qual independe de qualquer avaliação a mercado dos ativos e passivos da empresa.
Em segundo lugar, porque a norma expressa no artigo 14, §3º, da Lei nº 10.705/2000 teve como fim exatamente criar uma exceção à regra geral que determina que a base de cálculo do imposto corresponda ao valor de mercado do bem. E tal exceção foi criada com um propósito claro: dar simplicidade, praticidade e exequibilidade na determinação da base de cálculo do imposto quando os bens transferidos sejam quotas/ ações de sociedades. Pretender que o contribuinte (na maior parte das vezes pessoas físicas) proceda à avaliação de mercado dos ativos e passivos da sociedade iria frontalmente de encontro com o objetivo de simplicidade visado pela norma do parágrafo 3º.
Não à toa, em atenção exatamente a estes pontos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) já proferiu diversas decisões reconhecendo a ilegalidade do entendimento do fisco em casos envolvendo fatos semelhantes. Nestes casos, prevaleceu a posição de que a base de cálculo do imposto deve ser o valor patrimonial contábil das quotas/ ações da sociedade¹.
Em resumo, portanto, entendemos que, a despeito da posição do fisco reiterada na recente Resposta a Consulta nº 24429/2021, deve continuar prevalecendo o entendimento de que a base de cálculo do ITCMD no caso de doação ou transmissão causa mortis de quotas/ ações de empresa deve corresponder ao valor patrimonial contábil das quotas/ ações, sendo absolutamente irrelevante qualquer consideração quanto ao valor de mercado dos ativos e passivos que compõem o patrimônio líquido da sociedade.
Continuando na análise, o fisco, na Resposta a Consulta nº 24429/2021, passa a discorrer especificamente sobre a aplicação do limite de isenção de 2.500 UFESPs no caso de doações feitas por cônjuges ou companheiros.
Nesse ponto, a Resposta a Consulta cita a Decisão Normativa CAT nº 4/2016, na qual ficou estabelecido que “nas doações realizadas para terceiros beneficiários, por cônjuges ou companheiros na vigência de regime de comunhão parcial ou universal de bens, haverá apenas um doador e tantos fatos geradores do ITCMD quantos forem os donatários” e que, portanto, o referido limite de isenção aplica-se uma única vez na doação feita a um mesmo donatário (e não separadamente em cada doação pelos cônjuges ou companheiros ao mesmo donatário).
A Resposta a Consulta nº 24429/2021 manteve em essência o mesmo racional da Decisão Normativa CAT nº 4/2016, mas esclareceu em sua parte final que tal entendimento se aplica apenas caso a doação seja de bens comuns de casal.
Para referência, transcrevemos abaixo trecho relevante da resposta a consulta:
“14. Dessa forma, na situação descrita pelo Consulente, qual seja, o casal de pais sócios na empresa que desejam doar a seus filhos suas quotas de capital social, é necessário considerar o regime de bens adotado e se as quotas compõem o patrimônio comum do casal.
15. Na hipótese de doação oriunda do patrimônio comum do casal, conforme item 3 da Decisão Normativa CAT 4/2016, deve-se aplicar o limite de isenção de duas mil e quinhentas UFESPs considerando a soma de todas as transmissões realizadas dentro de cada ano civil pelo casal, que configura um único doador, a cada donatário.” (grifado)
Assim, nesta parte a Resposta a Consulta nº 24429/2021 esclareceu importante ponto, indicando que o entendimento de que o limite de 2.500 UFESPs é aplicável de forma conjunta apenas se a doação estiver sendo feita de patrimônio comum do casal, e não de patrimônio exclusivo de cada um dos cônjuges.
Tal esclarecimento é de suma importância, principalmente para casos em que os cônjuges são casados sob o regime de comunhão parcial de bens e provavelmente possuem patrimônio que não se comunica com o do outro cônjuge.
Nessas situações, caso os bens doados sejam de patrimônio exclusivo dos cônjuges, o limite de isenção deve ser aplicado separadamente a cada uma das doações ao mesmo donatário, e não considerando a soma delas.
*Bernardo Spinelli Bessa. Sócio de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados – RBTSSA.
__________________________________________________________________________________ ¹ Nesse sentido, confira-se, por exemplo, decisões proferidas nos processos nºs 1026949-58.2020.8.26.0482; 1024309-82.2020.8.26.0482; 1005873-09.2016.8.26.0032 etc.
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