Por Bernardo Spinelli Bessa*
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), por meio de acórdão proferido nos autos de apelação em Mandado de Segurança julgada pela 4ª Turma, entendeu não ser devido o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na transmissão de cotas de fundos de investimento abertos em caso de sucessão universal, isto é, em caso de falecimento do titular das cotas.
O caso julgado envolvia a transmissão de cotas de fundos de investimento em ações e de renda fixa originalmente de titularidade do marido da impetrante, em decorrência do falecimento do referido cônjuge.
Conforme consta do acórdão, as instituições financeiras custodiantes das cotas teriam informado que, por ocasião da transmissão de tais cotas em razão do falecimento do cônjuge da impetrante, seria necessário realizar a retenção e recolhimento do IRRF sobre os ganhos verificados pelo cônjuge nos investimentos até a data do falecimento, em conformidade com a Solução de Consulta COSIT nº 383/2014 (“SC 383/14”) e o Ato Declaratório Interpretativo nº 13/2007 (“ADI 7/07”), ambos editados pela Receita Federal do Brasil (RFB).
Resumidamente, na SC 383/14 a RFB entendeu ser devido o IRRF quando da transmissão por sucessão universal de cotas de fundos de investimento abertos, pois tal forma de transmissão implicaria o resgate das cotas, não sendo possível a mera transmissão escritural do nome do titular original para os herdeiros.
Por sua vez, no ADI 13/07 a RFB estabeleceu incidir a antiga CPMF nas transferências financeiras, realizadas pelas instituições financeiras, decorrentes, dentre outras hipóteses, de sucessão causa mortis. Ainda, no mesmo ADI ficou estabelecido que as mesmas operações, quando referentes a aplicações financeiras, sujeitam-se inclusive ao pagamento do IRRF e do IOF, quando for o caso.
Em nossa visão, a posição da RFB é questionável, principalmente por se pautar no falacioso argumento de que não seria possível a transmissão escritural das cotas de fundos de investimento abertos.
Isso porque, desde a edição da Instrução CVM nº 409/2004, substituída pela Instrução CVM nº 555/2014, que disciplinam o funcionamento de fundos de investimento, foi prevista a possibilidade de transferência de cotas de fundos de investimento abertos em caso de sucessão universal (artigo 12 da Instrução CVM nº 409/2004 e artigo 13, IV, da Instrução CVM nº 555/2014).
Ora, se a autoridade regulatória estabelece expressamente que no caso de sucessão universal ocorre a transmissão de propriedade das cotas de fundos de investimento aberto, não caberia à autoridade fiscal negar tal tratamento.
Sendo possível a transmissão das cotas de fundos aberto nessa situação específica, deve-se aplicar ao caso o disposto no artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, que permite que no caso de transmissão causa mortis de bens e direitos a transmissão possa se dar pelo valor de custo ou de mercado, havendo incidência do imposto de renda sobre ganho de capital apenas na hipótese de transmissão pelo valor de mercado.
Dessa forma, ainda que o investimento em cotas de fundos de investimento abertos tenha ganhos/ rendimentos “embutidos”, deveria prevalecer o tratamento preconizado pelo referido artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, que, como dito, permite a transmissão a valor de custo histórico.
Atento a tais pontos, o TRF3, ao julgar o caso ora comentado, reconheceu que a transmissão de cotas de fundos de investimento em ações por sucessão universal não importa em resgate das referidas – de forma contrária à posição da RFB na SC 383/14 – e, portanto, não é fato gerador do imposto de renda caso efetivada pelo valor de custo histórico registrado pelo de cujus.
Conforme consta do voto da Desembargadora relatora, “no caso de herança, o herdeiro continua nas relações patrimoniais do de cujos, substituindo-o em suas relações jurídicas, não se podendo criar, a princípio, uma ficção jurídica de resgate e recompra. Pode-se dizer que há uma continuidade no exercício de direitos.”
Concordamos com a posição unânime adotada pelo TRF3 no caso em comento e esperamos que, caso a questão seja levada pela União aos tribunais superiores, o entendimento seja mantido.
*Bernardo Spinelli Bessa. Sócio de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados – RBTSSA.
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