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Divergência aberta no STF viola a súmula 279 e analisa erroneamente fatos e provas

Por Regina Beatriz Tavares da Silva*


Nesta próxima sexta-feira (11/12/2020) está pautada no Supremo Tribunal Federal (STF) a 2ª Sessão de julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.045.273-SE de repercussão geral, cujo tema nº 529 é o seguinte: Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte.


Na 1ª Sessão de Julgamento desse RE, ocorrida em 25 de setembro de 2019, após votos primorosos do Ministro Relator, Alexandre de Moraes, do Ministro Gilmar Mendes e do Ministro Ricardo Lewnadowski, pela não atribuição de pensão por morte de amante e seu rateio com os beneficiários sobreviventes – consorte e filho menor de idade do falecido – foi aberta divergência pelo Ministro Edson Fachin, que foi acompanhado pelo Ministro Luis Roberto Barroso, cada qual com sua própria análise de fatos e provas.


Não é cabível no STF a análise de fatos e provas, na conformidade da Súmula nº 279 dessa Suprema Corte: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. São citados a seguir os seguintes precedentes deste Enunciado, que tiveram as relatorias dos Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Gilmar Mendes:

O aresto impugnado, com fundamento na legislação ordinária e no substrato fático constante dos autos, negou provimento ao recurso defensivo para manter a condenação do recorrente pela prática das condutas descritas nos artigos 158, 171 e 288, todos do Código Penal, matéria situada no contexto normativo infraconstitucional. Inviável, ademais, o reexame das provas em sede de recurso extraordinário, conforme Súmula 279.


[ARE 1.154.586, rel. Min. Alexandre de Moraes, 1º T, j. 6-11-2018, DJE 242 de 16-11-2018.]

‘In casu’, o acórdão atacado atestou a higidez do contrato de trabalho da autora, ora recorrente, bem como assentou que a relação funcional entre a autora e o Estado é de natureza estatutária e não celetista. Assim, o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame da causa à luz do conjunto fático-probatório dos autos e da legislação infraconstitucional local, o que se mostra incabível em sede extraordinária. Incidência das Súmulas 279 e 280 desta Corte.


[ARE 1.115.095, rel. Min. Dias Toffoli, dec. monocrática, j. 30-8-2018, DJE de 5-9-2018.]


No caso, a verificação da procedência, ou não, das alegações deduzidas pela parte recorrente implicará necessário reexame de fatos e de provas, o que não se admite na sede excepcional do apelo extremo. Essa pretensão sofre as restrições inerentes ao recurso extraordinário, em cujo âmbito não se reexaminam fatos e provas, circunstância essa que faz incidir, na espécie, a Súmula 279.


[RE 1.057.394 AgR-segundo, rel. Min. Celso de Mello, 2ª T, j. 27-10-2017, DJE 261 de 17-11-2017.]


Verifico, ainda, que o acórdão recorrido solucionou a controvérsia relativa à fixação do quantum arbitrado a título de indenização por danos morais com fundamento nos elementos fático-probatórios dos autos, que não podem ser reexaminados na via extraordinária, a teor do Enunciado 279 da Súmula do STF.

[ARE 743.771 RG, rel. Min. Gilmar Mendes, P, j. 16-5-2013, DJE 102 de 31-5-2013, Tema 655.]

Mas, com a devida vênia, pior ainda foi o ocorrido na divergência aberta na 1ª Sessão de julgamento do RE em tela. A análise de fatos e provas do Ministro Edson Fachin e do Ministro Luis Roberto Barroso discrepam do que consta dos autos do processo. Vejamos.

O Ministro Edson Fachin, para dar provimento recursal ao concubino, utilizou-se da aplicação analógica do artigo 1.561 do Código Civil, que protege os efeitos do casamento nulo e anulável, nas relações putativas, ou seja, naquelas em que existe a boa-fé do partícipe da segunda relação. E segundo o mesmo Ministro aplica-se a presunção da boa-fé, por outras palavras, ele afirmou que o concubino desconhecia a união estável do falecido. No entanto, os fatos e provas dos autos apontam em sentido diametralmente oposto. Nos autos há provas de que o concubino conhecia a união estável de seu parceiro, já que não só ajuizou demanda contra a filha comum da companheira e do falecido, juntando, inclusive, a certidão de nascimento desta (fls. 13, evento 62), e, ainda, a certidão de óbito contendo expressamente o nome da companheira que registrou o fato (fls. 11, Vol.1, evento 62), mas, principalmente, o concubino confirmou, em seu depoimento (fls. 68/70, Vol. 1, evento 62), ter conhecido pessoalmente a companheira do falecido em 1995, sabendo que o casal tinha uma filha nascida em 1992.


O Ministro Luis Roberto Barroso também se equivocou na análise de fatos e provas, ao afirmar que não há nos autos a demonstração sobre qual relação teria se iniciado primeiramente, devendo ser consideradas como simultâneas. O próprio concubino afirma que teria morado com o falecido apenas a partir de 1998 (fls. 68, Vol. 1, evento 62), as faturas de cartão de crédito conjunto datam de 2001 (fls. 17/18, Vol. 1, evento 62). No extrato de seguro de vida juntado aos autos sequer há menção a quem foi o instituidor (fls. 15, Vol. 1, evento 62). Por outro lado, há provas robustas e contundentes da existência da união estável reconhecida judicialmente com a companheira heterossexual, como a certidão de nascimento da filha do casal em 1992 (fls. 13, evento 62), além do reconhecimento judicial de que a união estável teve início em 1991 (fls. 34/36, Vol. 1, evento 62). Portanto, diferentemente do que constou do voto em tela, há prova inequívoca de anterioridade da união estável heterossexual, iniciada em 1991, e quanto à relação homossexual, quando muito, se poderia argumentar que teve lugar em 2001, uma vez que os extratos de cartão de crédito são as únicas provas concretas de tal relação e datam deste ano.


Ainda, o recorrente admitiu que o de cujus não assumia publicamente sua suposta homossexualidade, o que, por si só, impossibilitaria o preenchimento do requisito da publicidade da união estável. Arrematou seu depoimento dizendo que, em que pese tivesse pleno conhecimento da morte (sobretudo porque fora indiciado como suspeito do homicídio), não foi ele quem registrou o óbito (evidente, pois se constata do documento com fé pública), ou realizou os procedimentos preparatórios para o sepultamento, tampouco compareceu ao velório e ao enterro, pois, em suas palavras, “não tinha clima” (fls. 68/70, Vol. 1, evento 62).


Ante tais provas, não pode o julgador presumir boa-fé do recorrente, ou seja, ignorância ou desconhecimento do recorrente em relação à união estável do falecido, tampouco que não se sabe qual relação se iniciou primeiramente.


*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sócia fundadora e titular do escritório de advocacia Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.

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