Por Regina Beatriz Tavares da Silva*
Uma das matérias que têm sido debatidas no Tribunal de Justiça de São Paulo é a indenizabilidade da traição no casamento e na união estável.
Seria indenizável o dano causado pela infidelidade de um dos cônjuges ou de um dos companheiros?
Vejamos os requisitos da responsabilidade civil conforme artigo 186 do Código Civil, norma legal que está na sua Parte Geral e aplica-se a todos os seus Livros, inclusive o Livro do Direito de Família, onde estão regulados o casamento e a união estável.
Na conformidade desse artigo: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.
Portanto, com os olhos na traição, o primeiro requisito da responsabilidade civil é uma ação voluntária que viola o direito à fidelidade que advém do casamento (Código Civil, art. 1.566, I) e da união estável (Código Civil, art. 1.724).
Observe-se a inutilidade da análise do dolo ou a culpa em sentido estrito, porque, afinal, ninguém trai por imperícia, imprudência ou negligência.
O dano é o segundo requisito da responsabilidade civil. Podendo ser moral ou material. Dano moral é aquele resultante da ofensa a um direito da personalidade (Bittar, Carlos Alberto. Reparação civil dos danos morais. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999) e dano material é o prejuízo econômico, consistente no dano emergente e nos lucros cessantes.
Há dano ao cônjuge na infidelidade? Aqui reside o debate.
Na infidelidade o direito da personalidade do consorte traído violado é a honra. A honra tem dois aspectos: subjetivo e objetivo (De Cupis, Adriano. Os Direitos da Personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1961, p. 121). A honra subjetiva é a autoestima, o amor-próprio ou a consideração que todas as pessoas têm de si mesmas. A honra objetiva é a reputação social, o que os outros pensam de nós, como nos consideram.
Somente a traição que se torna pública, atingindo a reputação social do consorte traído, gera dano moral? Ou a infidelidade descoberta por meio do acesso ao celular ou a caixa de e-mails do infiel, sem alarde em público, gera dano moral ao cônjuge ou consorte traído?
Afinal, o cônjuge ou o companheiro que descobre que foi traído na sorrelfa, em relações escondidas pelo infiel com outra pessoa, sofre dano em sua autoestima, ou sua consideração pessoal ou própria somente seria atingida se a traição tornar-se de conhecimento público?
A resposta somente poderia ser uma: em ambas as hipóteses há dano moral.
Cite-se, a propósito, acórdão proferido na Apelação 532.876.4/6-00, de Relatoria do Desembargador Ênio Zuliani, da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP. j. 16/04/2009, em que o Relator assevera que:
“Os integrantes da Turma Julgadora já exteriorizaram posições que não são absolutamente coincidentes sobre o cabimento de dano moral por adultério dos cônjuges, sendo que esse relator pontuou a oportunidade de se definir o direito diante de caso concreto, na medida em que o adultério, como definido nos artigos 1566, I e 5º, caput, da Lei 6.515/77, por ser uma conduta antijurídica... poderá, em determinadas circunstâncias, ofender a honra objetiva e/ou a honra subjetiva do cônjuge traído. Portanto e desde que a prática do adultério repercuta na esfera íntima do marido ou da esposa, lesando direitos considerados como da personalidade do indivíduo [art. 5º, V e X, da CF] poderá ser concedida indenização para contemporizar os malefícios da ilicitude [art. 186, do CC].”.
E em recente acórdão voltou a ser discutido se o dano moral causado pela infidelidade somente é indenizável se ocorrer o conhecimento de terceiros.
A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 07/09/2021, manteve decisão do Juiz Cassio Ortega de Andrade, da 3ª Vara Cível de Ribeirão Preto, que condenou um homem a indenizar, por danos morais, a quem traiu, levando a amante no ambiente familiar, onde ambos moravam com os filhos. O valor da reparação foi fixado em R$ 20 mil. A mulher, desconfiada da infidelidade do companheiro, buscou as imagens das câmeras dos vizinhos, quando descobriu que o marido, à sorrelfa, havia levado a amante ao domicílio conjugal. A circunstância, de acordo com ela, ocasionou enorme angústia e desgosto. E, conforme a defesa do marido, ele era discreto e ninguém tomara conhecimento do fato antes da esposa divulgar a sua infidelidade aos vizinhos. Segundo o acórdão, relatado pelo Desembargador Natan Zelinschi de Arruda, inobstante a dúvida sobre como ocorreu o conhecimento do fato pelos vizinhos, já que não ficou comprovado se foi o pedido de busca dos vídeos pela esposa que causou a revelação da traição na vizinhança, o dever de fidelidade e respeito é estabelecido no ordenamento civil e familiar e a honra subjetiva da consorte foi atingida pela infidelidade do marido:
“A alegação de que os vizinhos só tiveram conhecimento do ocorrido com o pedido de busca dos vídeos pela autora não restou comprovada e, ainda que o fosse não afastaria dos danos morais experimentados... é óbvio que a situação sub judice altera o estado emocional, atinge a honra subjetiva, ocasiona enorme angústia e profundo desgosto, o que autoriza a fixação de danos morais em razão da excepcionalidade da situação, como b3em observou o MM. Juiz sentenciante.”.
Inobstante o acórdão diga que a simples traição não ensejaria danos morais, sendo a insensatez do marido de praticar a infidelidade no ambiente familiar que deu azo à sua condenação em pagar indenização à mulher traída, aquele trecho do acórdão acima citado, não divulgado nos meios de comunicação que vimos, é de suma relevância e, para conferir, leiam o acórdão na íntegra, publicado juntamente com este comentário.
*Regina Beatriz Tavares da Silva. Sócia fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.
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