Por Regina Beatriz Tavares da Silva*
O julgamento do RE 1.045.273 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, está pautado para o dia 3 de abril de 2019. Trata-se de um dos dois processos em andamento no STF em que se discute a possibilidade de reconhecimento jurídico de relações concomitantes, uma “oficial” e a outra “paralela”, com o consequente rateio de pensão por morte (artigo da semana passada).
Chega a soar estranho que haja algum tipo de defesa de direitos em relação paralela, aquela adulterina, da mancebia, dos popularmente chamados amantes, uma vez que cabe ao Direito primar pela organização da sociedade, sendo a família seu núcleo essencial e as relações “simultâneas” uma fonte de desagregação e discórdia para o ambiente familiar. Então pergunta-se: por que essa matéria foi chegar no Supremo?
Primeiro ponto é que existem algumas decisões de instâncias menores a atribuir pensão previdenciária para amantes. Note-se que aqui não me refiro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde as decisões que analisam o mérito recursal rechaçam direitos previdenciários em caso de mancebia. Refiro-me, isto sim, aos Juízes singulares e aos Tribunais Federais. São decisões alarmantes por afrontarem diretamente a ordem jurídica brasileira que prevê a fidelidade ou lealdade recíproca como dever dos cônjuges e dos companheiros, e determina que a existência de casamento com comunhão de vidas ou de união estável é impedimento à existência de efeitos no concubinato, ou seja, na relação de mancebia (Código Civil, art. 1.566, I; art. 1.521, VI; art. 1.642, V; art. 1.723, § 1º, art. 1.727; art. 1.801, III). Decisões que atribuem direitos a amantes geram insegurança jurídica. Por isto caberá ao STF colocar “ordem na casa”, dizendo o que deve ser dito às Instâncias inferiores: amantes não têm direitos previdenciários porque não constituem família, mas, isto sim, participam de um comportamento ou ato ilícito que é a “traição” ou infidelidade.
Note-se que são efetivamente somente algumas decisões de Instâncias inferiores ao STF e ao STJ que atribuíram direitos previdenciários por morte do amásio, em divisão com o viúvo, já que, recentemente, em um processo que discutia a matéria – possibilidade de divisão de pensão por morte entre a viúva e o amante do falecido consorte – que chegou à Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) , foi proferido acórdão coerente com o ordenamento jurídico, já que não reconheceu o incidente por se tratar de exame de questão constitucional, prévia e necessária. Essa decisão ensejou a formulação da Súmula nº 86 do Colegiado, publicada em 21 de janeiro de 2019, com a seguinte redação: “Não cabe incidente de uniformização que tenha como objeto principal questão controvertida de natureza constitucional que ainda não tenha sido definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sua jurisprudência dominante”.
O TNU acabou por consignar que não há controvérsia de direito material, ou seja, que não pode haver dúvida sobre o enunciado do texto normativo. O Magistrado Relator afirma: “Apesar de o Código Civil versar a união estável como núcleo familiar, excepciona a proteção do Estado quando existente impedimento para o casamento relativamente aos integrantes da união… Concluiu-se, dessa forma, estar-se diante de concubinato e não de união estável.”
Reitere-se que as Cortes Superiores têm tido o entendimento uniforme no sentido de não atribuir direitos à mancebia. Outra decisão recente que reforça essa constatação foi o julgado deste ano da 4.ª Turma do STJ que julgou matéria sucessória e excluiu da herança a amante que manteve relacionamento com o falecido ao longo de 17 anos, por concluir não ter sido comprovado que ela não soubesse que ele era casado durante todo esse período. (link da notícia do STJ).
Comentarei esse acórdão, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, em artigo da próxima semana.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada.
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