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Curatela compartilhada em caso de conflito

Por Regina Beatriz Tavares da Silva*


A curatela é um instituto que tem em vista a proteção daqueles que não possuem capacidade civil mesmo após a maioridade, ou seja, que não têm capacidade de cuidar sozinhos da sua pessoa e do seu patrimônio, o que vai desde a alimentação adequada, a higiene pessoal até a compra ou venda de um bem, a realização de um contrato de locação etc.


Uma lei, chamada Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD – Lei n. 13.146/2015.) modificou o Código Civil e, entre outras disposições legais, estabeleceu a possibilidade da curatela ser exercida por mais de um curador, o que se chama de curatela compartilhada (Código Civil, art. 1.775-A do Código Civil: “Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa”.


A curatela é uma medida de proteção para quem tem uma deficiência mental ou intelectual, de modo que sua determinação por um Juiz de Direito deve estar atenta ao melhor interesse do deficiente ou curatelado. Dessa forma, o estabelecimento de curatela compartilhada só será possível quando visar o melhor atendimento desse intento protetivo.


Em alguns casos, de fato, esse compartilhamento é viável, como quando convém a divisão de poderes entre o curador responsável pela pessoa e outro curador responsável pelos bens do curatelado, de forma a respeitar as habilidades dos dois curadores.


Mas, como nem tudo são flores e as relações humanas envolvem graus elevados de complexidade, muitos são os casos em que a determinação da curatela compartilhada vira fonte de conflitos inter-relacionais entre os envolvidos, prejudicando, ao invés de proteger o deficiente.


É de evidência solar a impossibilidade de curatela compartilhada em caso de conflito entre os curadores, seja o dissenso prévio ou advindo dela.


Lembre-se: a curatela compartilhada só existe para proteger melhor o deficiente, de acordo com as habilidades de cada um dos curadores, um pode ser apto a cuidar da pessoa deficiente e o outro para gerir seu patrimônio.


Logo, uma vez havendo desarmonia e desacordo nas relações envolvidas na curatela, não faz sentido insistir nesse arranjo em que a finalidade da própria curatela fica comprometida ou maculada.


Para que se denote a insustentabilidade da curatela compartilhada em circunstâncias da vida real, imaginemos um caso ilustrativo. Um senhor idoso, já incapaz para reger sua vida pessoal e patrimonial, porque acometido de demência senil, precisará de curatela. Na falta de esposa ou companheira, estão elencados na lei os seus descendentes, seus filhos. No entanto, dois dos filhos são interessados em assumir a curatela, um porque quer proteger o pai e o outro porque quer tirar proveito da curatela em seus pessoais e próprios interesses.


A história entre ambos é conturbada, marcada por hostilidades. As decisões serão diametralmente opostas em cada um dos casos que tiverem que decidir. Por exemplo, na hora de autorizar a internação do pai, um será contra e o outro a favor, e não necessariamente estarão pensando no que é melhor para o pai a ser protegido. Seria, então, sustentável uma curatela compartilhada em casos assim? Penso que não. Na realidade, em casos como esse, a curatela poderia vir a deixar o vínculo familiar ainda mais insuportável, além do alto risco de implicar em uma desassistência ao curatelado.


Nesse mesmo sentido, manifesta-se Zeno Veloso ao colocar que Verificando o magistrado que o curatelado ficará melhor assistido com o compartilhamento do encargo deverá fazê-lo. Se, entretanto, aferir que esta medida será causa permanente de conflitos, nomeará curador único. (Zeno Veloso, in Código civil comentado, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1871).


Os Tribunais, antes mesmo do EPD, já se manifestavam pelo não cabimento da curatela compartilhada quando há “animosidade” entre os interessados ou risco de “colisão de interesses”:


Apelação cível. Interdição. (…) A existência de divergências e dificuldades de relacionamento entre os genitores inviabiliza o compartilhamento da curatela entre eles, somando-se ao fato do interditando ter manifestado intenção de permanecer sob os cuidados da mãe” (TJMS. Apelação n.º 0808407-29.2012.8.12.0002. 5.ª Câmara Cível. Rel. Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva. Julgado em 3/7/2014 – grifo nosso).


Apelação cível. Interdição. (…) Desprovimento do pedido subsidiário de curatela compartilhada, atinente à administração dos bens, por falta de amparo legal. Situação que poderia intensificar o conflito familiar, marcado pela animosidade entre os irmãos, em detrimento do bem-estar da interditada. (…) (TJRJ. Apelação n.º 00936911420108190002. 9.ª Câmara Cível. Rel. Des. Rogério de Oliveira Souza. Julgado em 2/7/2013 – grifos nossos).


Apelação Cível – Interdição (…) – Instituto que deve recair somente sobre uma pessoa, por atender melhor à sua finalidade, a fim de evitar colisões de interesses – Recurso improvido – Decisão unânime (TJSE. Apelação n.º 2010211021. 1.ª Câmara Cível. Rel. Des. José Alves Neto. Julgado em 11/11/2010 – grifo nosso).


AGRAVO DE INSTRUMENTO. CURATELA DE INTERDITO. (…) A curatela compartilhada estabelecida na decisão agravada, para que todos os atos devam ser praticados em conjunto pelo curador provisório e pelo ora agravado, se afigura inconveniente, servindo apenas para acirrar ainda mais o desentendimento existente entre ambos, com prejuízo para o interdito. (…) (TJRJ. Agravo de Instrumento n.º 0023183-64.2011.8.19.0000. Rel. Des. Cassia Medeiros. 18.ª Câmara Cível. Julgado em 21/5/2002- grifo nosso).


Em que se pese a comparação entre a curatela compartilhada e a guarda compartilhada, é preciso estar atento para as peculiaridades distintas de cada um desses institutos.


A guarda compartilhada, segundo definição do Código Civil, no artigo 1.583, § 1°, é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. E o artigo 1.584, §2º estabelece que Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.


O fundamento para o reconhecimento da guarda compartilhada tem como base priorizar o interesse da criança, entendendo-se como essencial assegurar o direito de um filho conviver com ambos os pais, por ser determinante em sua formação.


É o que se depreende do entendimento do STJ, conforme acórdão paradigma na questão, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi (STJ, REsp 1251000/MG, j. 31/08/2011), quando escreve que A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.


Pois bem, a guarda compartilhada já não é nada fácil quando existe um conflito entre o pai e a mãe, mas a sua importância, a despeito da situação conflituosa que possa existir, repousa na natureza pedagógica aos próprios genitores no exercício do poder familiar sobre os filhos menores, assim como na necessidade que um filho tem de ter pai e mãe efetivamente presentes na sua educação.


Na curatela, a pessoa a ser protegida é maior de idade, de modo que não se trata de formação de uma criança ou de um adolescente. Na curatela, o curatelado não necessita de dois curadores para ser formado, para crescer saudável, para definir sua sexualidade etc.


É por essas e outras razões que, no que se refere à curatela compartilhada, o juiz deverá ter ainda maior prudência para considerar os nuances envolvidos no caso concreto, de modo a observar sua impossibilidade quando houver conflito entre as pessoas que pretendem o seu exercício.


*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sócia fundadora e titular do escritório de advocacia Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.


Publicação original: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (12/09/2018)

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