O 'NÃO' e o 'SIM' à proposta do Divórcio Express no Novo Código Civil
- rbtssa
- 11 de jul.
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Em matéria originalmente publicada na Folha de S. Paulo, em 05 de julho, intitulada "A proposta do divórcio express no novo Código Civil é boa?", foram apresentados argumentos diametralmente opostos à proposta do Divórcio Express no Novo Código Civil.
Por Regina Beatriz Tavares da Silva, Sócia Fundadora da RBTSSA e Presidente da ADFAS, e Maria Berenice Dias, Vice-Presidente do IBDFAM.
A proposta do divórcio express no novo Código Civil é boa? NÃO
Medida não é proteção a mulher.
Por Regina Beatriz Tavares da Silva.

O Projeto de Lei de atualização do Código Civil, em tramitação no Senado Federal (PL 04/2025), propõe mudança radical no divórcio por iniciativa de um dos cônjuges. Essa proposta, se aprovada, permitiria o divórcio por mera notificação no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).
Após a notificação, pessoal ou por edital, em cinco dias os cônjuges estariam divorciados, sem mesmo haver tempo suficiente para o cônjuge notificado procurar um advogado e realizar os pedidos judiciais necessários à preservação de seus direitos.
Entre os prejuízos ao cônjuge notificado, estaria a possibilidade de sua exclusão imediata do seguro ou plano de saúde existente junto à empregadora do requerente do divórcio, bastando apresentar a certidão de casamento averbada com o divórcio. Além disso, poderia ocorrer a expulsão do cônjuge notificado do domicílio conjugal, se o imóvel pertencer exclusivamente ao notificante, sem que houvesse o tempo necessário para que o notificado buscasse nas vias judiciais a necessária proteção.
Quem recebe uma mera notificação de um cartório e corre para um advogado para tomar as medidas que assegurem seus direitos? O que se propõe é algo bem diferente de quem recebe uma citação judicial, decorrente de uma ação de divórcio, e tem 15 dias úteis para buscar assistência advocatícia e entrar no processo judicial, assistido por advogado, para fazer os pedidos cabíveis.
Quanto a terceiros, imagine-se a seguinte situação, que pode ser exemplo de muitas outras: a mulher é supostamente notificada, porque cabe sua notificação no projeto até mesmo por edital, e segue em suas negociações com terceira pessoa de compra parcelada de um veículo, apresentando-se como casada em regime de comunhão de bens, embora já esteja divorciada, sem saber de seu novo estado civil.
O vendedor do carro está tranquilo, porque sabe que poderá cobrar o valor do carro com base no patrimônio do suposto casal e exigir o valor da venda da compradora e do seu cônjuge. Mas, se não receber o preço da venda, somente poderá exigir o que tem a receber da mulher que o comprou e com base no patrimônio dela, porque o divórcio já ocorreu e está averbado no Cartório de Registro Civil, sem que até mesmo a mulher tivesse conhecimento disso.
Quando se fala em proteção da mulher, que não consegue se divorciar, como justificativa dessa proposta, isto é uma falácia porque a mulher que sofre violência doméstica precisa das medidas protetivas da Lei Maria da Penha e não de divórcio por notificação em Cartório de Registro Civil. Não será o divórcio que impedirá a violência doméstica, que poderá continuar e até se agravar!
Note-se que o divórcio por pedido unilateral no sistema em vigor já é suficientemente facilitado e rápido. O divórcio pode ser decretado no início da ação judicial de dissolução do vínculo conjugal, após a citação do outro cônjuge, em que, embora o demandado na ação não possa se opor ao divórcio, ele tem a possibilidade de realizar os pedidos das medidas necessárias à preservação de seus interesses, como pensão alimentícia e permanência, ainda que temporária, no domicílio conjugal, na conformidade do Código de Processo Civil em vigor. Note-se que, embora existam algumas decisões que decretam o divórcio sem a citação do outro cônjuge, isto não altera a lei processual, sendo obrigatória essa citação.
Por essas, entre outras razões, digo não ao divórcio por notificação judicial em Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais ou divórcio express.
* Regina Beatriz Tavares da Silva é advogada e sócia fundadora de RBTSSA - Sociedade de Advogados. Mestre em Direito Civil e Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP.) Pós-Doutora em Direito da Bioética pela Universidade de Lisboa (UL). Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).
A proposta do divórcio express no novo Código Civil é boa? SIM
Divórcio e direito à felicidade.
Por Maria Berenice Dias.
Do punhado de direitos e garantias assegurados constitucionalmente, resta evidenciado que o propósito é mesmo garantir a todos o direito à felicidade.
As pessoas têm a liberdade de casar e é indispensável reconhecer, a quem o desejar, o direito de sair do casamento.
Já passou a época em que, por influência da igreja, a ideia sacralizada da família tornava o casamento indissolúvel. Perpetuação, aliás, que nunca existiu. Com ou sem a chancela legal, as pessoas saiam do casamento e constituíam novas famílias, ainda que tais uniões não fossem reconhecidas legalmente.
Com o fim da separação judicial, tornou-se desnecessária a espera do decurso de prazos ou a comprovação de qualquer causa para a obtenção do divórcio. Ou seja, basta o desejo de um do par para que o fim da sociedade conjugal seja decretada. O outro não tem como se opor.
Diante destes significativos avanços, é necessário reconhecer que se está frente a um direito potestativo, que a nada está condicionado.
Daí a possibilidade de o divórcio ser concedido em sede liminar, a título de tutela de evidência, por se tratar de um direito líquido e certo. Claro que é necessário dar ciência ao outro cônjuge, o que deve ser feito, antes do registro do divórcio no registro civil.
Este foi um dos grandes avanços protagonizados pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e que acabou consagrado pela jurisprudência. Posição acolhida tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF - RE 1325126 MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 04/06/2021) como pelo Superior Tribunal de Justiça: A Emenda Constitucional 66/2010 transformou o divórcio em um direito potestativo, que depende unicamente da manifestação de vontade da parte interessada, impondo à contraparte uma submissão jurídica, de modo a não haver contraposição viável ao direito material invocado. Ajuizada a ação de divórcio, o pedido de dissolução do vínculo pode ser julgado antecipadamente, em cognição exauriente, nos termos dos arts. 355 e 356 do Código de Processo Civil. (STJ - REsp 2154062 RJ, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27/08/2024).
Assim, bem andou o PL 4/2025 ao alterar o Código Civil. Além de consagrar o divórcio e a dissolução da união estável como direito potestativo, e que pode ser requerido diretamente no Cartório do Registro Civil (art. 1.582-A): O cônjuge ou o convivente poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código.
Via de consequência, este direito também poderá ser levado a efeito, por apenas um dos cônjuges ou companheiros, via escritura pública, perante o Tabelião de Notas, a quem cabe, antes de lavrá-lo, cientificar o outro cônjuge.
Diante da sociedade dos dias de hoje, louváveis estes avanços, por atendem de maneira menos traumática ao desejo de alguém que simplesmente quer dar um outro rumo à sua vida, sem a necessidade de promover uma ação judicial.
Trata-se, nada mais do que assegurar o direito à própria felicidade.
Fonte: Folha de S.Paulo
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